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Foto do escritorVinicius Martins

REFORMA TRIBUTÁRIA: UMA POLÍTICA PÚBLICA SÉRIA E NECESSÁRIA (parte I)

Nota inicial: este é um artigo que visa traçar, com linguagem simples à compreensão do leitor, a problemática do sistema tributário brasileiro, bem como propor alguns debates necessários ao momento eleitoral. Caso procure pelo Santo Graal da divina simplicidade e das fórmulas fáceis, temo dizer, buscador, não o encontrará aqui. Este é o primeiro texto de uma série de prováveis dois, nos quais será abordada a dificuldade atual do sistema tributário brasileiro e algumas ideias de reforma.


A você que ficou, lembro de Dante e sua inscrição da porta do Inferno: “deixai toda a esperança, vós que entrais”. Seguimos.


Precisamos nos distanciar da ideia gauche, simplista e até mesmo nostálgica de que “tributo” é forma de confisco estatal da renda ou patrimônio do indivíduo e caminhar a um pensamento que trata a tributação como autêntica forma de arrecadação do Estado, com finalidade estrita de dar cumprimento aos fins políticos que elegeu para si, ao redigir sua Carta Constitucional. Igualmente, é necessário caminhar em direção oposta à igualmente ilusória ideia de que a solução mágica para maiores avanços sociais caminha na mesma direção do aumento da carga tributária – como se o mero deslocamento de riquezas, do bolso do indivíduo para aquele da máquina pública, resolvesse o complexo problema do acesso da população a oportunidades e à renda.


A Ordem do Dia, em tempos eleitorais e eleitoreiros, assim, é a reforma tributária. E não é de hoje. Apesar de o tema “reformas” ter caído no gosto popular e de presidenciáveis – se Oswald de Andrade vivo fosse, parafrasearia seu famoso poema “Pronominais” substituindo “cigarro” por “reforma”[1] – precisamos encarar o debate com seriedade e honestidade de argumentos. Afinal, um sistema de arrecadação de tributos transparente, justo e eficaz é a melhor política pública que um Estado moderno pode praticar. Pausa dramática. Não é por acaso o uso, na mesma frase, de “arrecadação de tributos” e “política pública”.


Falar de tributos parece coisa difícil. Até não é - desde que você não more no Brasil, é claro. Mas há certas bases comuns e minimamente didáticas que poderão nos ajudar a atravessar o lamaçal adiante. Em primeiro lugar, qualquer sistema tributário moderno visa a arrecadação de impostos sobre quatro grandes naturezas: consumo; renda; patrimônio; folhas de pagamentos. Em segundo lugar, o montante devido deve ser obtido por meio de aplicação de um percentual sobre uma “base de cálculo” (consumo, renda, patrimônio ou folha de pagamentos) ou determinado valor fixo. Em terceiro lugar, a fixação do montante devido depende de um ato da autoridade estatal, decorrente de seu ofício, da declaração do próprio indivíduo ou da referida declaração seguida pela posterior homologação da autoridade.


Mas por que falar de impostos, no Brasil, é tão complexo? Ora, comecemos pelo simples: ao todo, em nosso país, temos 12 grandes espécies de impostos, sendo 6 espécies federais (I.I., I.E., I.R. (PJ / PF), IPI, IOF e ITR), 3 estaduais (ICMS, ITCMD e IPVA) e 3 municipais (ITBI, ISSQN e IPTU); além disso, mesmo que os conceitos jurídicos não se confundam, coexistimos ao lado de 6 grandes contribuições sociais (PIS/PASEP, COFINS, CSLL, INSS, CIDE, Sistema S [esta última compreende um grupo de 10 pequenas contribuições]) e outras inúmeras. Para além dos impostos e contribuições, não devemos nos esquecer das taxas de serviços públicos, empréstimos compulsórios e contribuições de melhoria, as quais renderiam um artigo próprio.


A maioria de tais impostos e contribuições acima mencionados, para serem apurados, dependem de declaração do próprio contribuinte, seguida de posterior homologação. Neste cenário dantesco, os tributos federais são arrecadados e fiscalizados pela Secretaria da Receita Federal, por meio de sistemas de declaração próprios; os tributos estaduais pelas Secretarias das Fazendas dos Estados e do Distrito Federal (27 unidades Federativas, ao todo), por sistemas igualmente próprios e diferentes entre si; os tributos municipais pelas Secretarias das Fazendas Municipais (5.570 municípios, ao todo), todos com sistemas próprios de arrecadação e declaração. Não é por menos que o contribuinte brasileiro gasta ao menos 30% de seu tempo buscando o cumprimento adequado de todo esse mapa fiscal infernal.


Superado este ponto, foquemos somente no grupo dos impostos e das contribuições sociais. Seguindo o que foi dito pouco antes, da grande massa destes dois grandes grupos, podemos separá-los conforme as quatro grandes naturezas que visam atingir no mundo concreto, a saber:

  1. Renda: I.R. (PJ e PF), CSLL (2 espécies);

  2. Patrimônio: ITBI, IPTU, ITR, IPVA, ITCMD (5 espécies)

  3. Consumo: ICMS, IPI, IOF, ISSQN, PIS, COFINS, II, IE, CIDE (9 espécies);

  4. Folha de pagamentos: INSS, Sistema S, PIS/PASEP[2] (3 espécies);

A lógica fiscal (em tese) por detrás desta separação é um tanto quanto simples. Explico:

  1. Tributamos a renda dos indivíduos de forma progressiva, ou seja, de maneira escalonada: o contribuinte que mais aufere renda, mais contribui para o bem comum. Neste sentido, o ideal de Justiça Fiscal almejado é dúplice: por um lado, evitamos tratar os desiguais como iguais e vice-versa; por outro, evitamos o indesejável fantasma do acúmulo de renda ao longo do tempo, ao tributar menos os que pouco ganham e mais aqueles que recebem maior fatia do ganho econômico coletivo;

  2. Tributamos o patrimônio dos indivíduos com base em seu valor de mercado, visto que a variação se dá, usualmente, por meio da valorização ou desvalorização do bem. Caso o bem tenha seu uso desvirtuado, o Estado poderá estabelecer critérios de aumento da alíquota fiscal para forçar o indivíduo a destinar seu patrimônio para um uso produtivo. Neste sentido, o ideal de Justiça Fiscal pode ser traduzido pelo pensamento de que os que nada possuem, nada contribuem; mas se possuírem, não só devolverão à sociedade parte do que representa seu patrimônio, como também deverão destiná-lo de forma adequada sob pena de contribuir mais;

  3. Tributamos o consumo com base em diversos critérios, seja a essencialidade da mercadoria/serviço (quanto mais essencial à vida, menor sua tributação), seja a necessidade de incentivar/desincentivar determinada atividade econômica (quanto maior o interesse político em incentivar determinado setor, menor sua tributação). Contudo, os tributos sobre consumo possuem uma lógica um tanto quanto distinta dos demais: enquanto nos dois casos anteriores o tributo é apurado e cobrado em um único momento, nesse caso a apuração e cobrança ocorrem em cada etapa da cadeia produtiva. Ou seja, em cada momento de sua apuração/cobrança tais tributos são compensados em regimes de “crédito-débito”, de modo a evitar um acúmulo em cascata sobre o valor agregado do produto, até chegarem ao consumidor final, seu destinatário e contribuinte último. Trata-se de tributação carregada de grande complexidade, visando atingir toda uma cadeia produtiva de bens de consumo, em cada instante de agregação de valor. Em suma, o ideal de Justiça Fiscal almejado, para estes tributos, deve ser entendido como quanto maior o poder aquisitivo do consumidor final e sua vida econômica, mais este deve contribuir com o bem comum; ademais, dado que “poupar” é uma virtude, impostos sobre o consumo, ao encarecerem mercadorias, incentivam o indivíduo à formação de poupança pessoal - logo, do país. Assim, seriam tributos hipoteticamente progressivos.

  4. Em derradeiro, tributamos a mão-de-obra ou folhas de pagamentos, de maneira, em tese, proporcional. Separamos os contribuintes, essencialmente, pelo tamanho de sua folha de pagamentos: conforme o número de empregados, determinadas contribuições são devidas. Fora este critério, os impostos sobre a folha são essencialmente proporcionais. As alíquotas são fixas e se aplicam, para todos, igualmente. O ideal de Justiça Fiscal aqui almejado passa pelo pensamento de que a população economicamente ativa e seus empregadores devam contribuir com as gerações mais novas e mais velhas com parte de seus rendimentos, destinando-os ao custeio da Seguridade Social.


Dito isto, cabe ressaltar importante distinção: os tributos cujo contribuinte seja único e que não possa passar o ônus para terceiros, são classificados na grande e conhecida categoria dos “tributos diretos” – tipicamente aqueles incidentes sobre renda, patrimônio e folhas de pagamentos; aqueles cujo ônus pode ser repassado, em cada etapa de sua cobrança, são classificados na categoria de “tributos indiretos”. O Brasil, de acordo com dados da Receita Federal, emitidos em 2016[3], arrecada tributos em proporção equivalente a 32,3% do PIB nacional. Dentro desta porcentagem:

  1. 20% da arrecadação se refere a tributos sobre a renda;

  2. 4% da arrecadação se refere a tributos sobre propriedade;

  3. 51% da arrecadação se refere a tributos sobre consumo;

  4. 25% da arrecadação se refere a tributos sobre folha de pagamentos;

Ou seja: nosso país é sustentado, majoritariamente, pelos contribuintes consumidores, não pelos grupos de maior poder econômico e acúmulo de renda e propriedade.


Somente esta divisão já causa espanto para qualquer cidadão mais ou menos preocupado com o quanto de sua vida é dedicada ao custeio da máquina estatal. Afinal, impostos se prestam a isso: efetivo sustento do Leviatã Hobbesiano. Ademais, desde a aprovação da conhecida desvinculação das receitas da União, algumas contribuições, que a princípio teriam destino certo – leia-se, o investimento em seguridade social (Previdência, Saúde e Assistência Social) – passaram a ser destinadas para o custeio da máquina, tal qual qualquer imposto.


Falar de tributos e sua lógica estrutural, ressalto, é necessariamente pensar em quanto de nosso esforço produtivo (dinheiro) pretendemos, precisamos e devemos ceder para que o contrato social, em toda a sua complexidade, seja cumprido. Imaginar um Estado que não cobre tributos é sonhar com uma quase inexistência do contrato social; igualmente, elevar demasiadamente a importância do aumento da carga tributária para a realização do referido contrato, é esquecer da relevância do indivíduo enquanto ser autônomo e titular final dos direitos que o Estado garante. Trata-se de um eterno paradoxo e de uma tensão no campo político-ideológico talvez insuperável, na medida em que o consenso, a que aludia Habermas, pode ser uma utopia em tempos pós-modernos.


Todavia, isto não é razão suficiente para não traçarmos linhas de racionalidade ao debate, por meio das quais buscaremos a correta estruturação fiscal de um país. O certo é que pretendo colocar em debate o quanto precisamos repensar o sistema tributário brasileiro em algumas bases:


  • Quanto mais transparente e simplificado for o sistema, menos tempo se gastará com sua compreensão e efetivo compliance;

  • Quanto mais próximo das diretivas internacionais o sistema estiver, mais atrativo será ao investimento estrangeiro;

  • Quanto mais equitativo for o sistema, evitando regressividades fiscais (quem tem menos pagar mais), maior a quantidade de riqueza disponível e circulante.

Em derradeiro, lanço as seguintes perguntas:

  • Como podemos transformar a tributação sobre a renda e patrimônio em algo justo e equitativo? Seria um sonho inalcançável?

  • Seriam os tributos indiretos verdadeiramente progressivos? Em um país sustentado majoritariamente por tributos sobre o consumo, seriam as classes pobres e médias os grandes contribuintes?

  • É possível unificarmos tributos indiretos, gerando simplicidade e transparência ao sistema? Precisaríamos rever nosso pacto federativo para tanto?

  • Impostos sobre transações financeiras, em tese, seriam proporcionais. É isto que queremos?

  • Um redesenho da matriz fiscal brasileira poderia ser uma boa “política pública”, reaquecendo os mercados, gerando empregos, renda e inclusão social?

O desafio está lançado, leitor. Nos encontramos no próximo artigo.


 

[1] Dê-me uma “reforma” [cigarro]/ Diz a gramática/ Do professor e do aluno/ E do mulato sabido/ Mas o bom negro e o bom branco/ Da Nação Brasileira/ Dizem todos os dias/ Deixa disso camarada/ Me dá uma “reforma” [cigarro].


[2] Também incidente sobre a folha de pagamentos.


[3] “Carga Tributária no Brasil 2016 – Análise por Tributos e Bases de Incidência”, Ministério da Fazenda do Brasil. Brasilia/DF, 2017. Pag. 6. Quadro comparativo. Disponível no site da RFB para a consulta do cidadão http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/estudos-e-tributarios-e-aduaneiros/estudos-e-estatisticas/carga-tributaria-no-brasil/carga-tributaria-2016.pdf.

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